O músico e compositor angolano Barceló de Carvalho ‘Bonga’ revelou, nesta quinta-feira, 16, em Lisboa — numa intervenção feita à margem do lançamento do livro ‘Angola: Caminhos e Desafios da Reconciliação e da Reconstrução’ (Elivulu Editora), da autoria de Orlando Ferraz —, que, nas vésperas das eleições gerais de 24 de Agosto de 2022, viu um dos seus espectáculos cancelados por supostos efectivos ligados ao Serviço Inteligência e Segurança do Estado (SINSE).
“Por ocasião das eleições, eu tinha um espectáculo com lotação esgotada em Luanda. A bófia cortou. Não houve espectáculo. Eu fui indemnizado, porque já tinha cá o kumbu dos 50 por cento na mão. Mas, fiquei, sobretudo, muito triste por saber que nós não estamos a evoluir”, lamentou Bonga, ao partilhar com as pessoas que acorreram ao Palácio dos Coruchéus, o seu testemunho sobre os desafios da reconciliação no país.
O músico, que recorrentemente faz recurso ao “linguajar dos musseques onde cresceu”, não tendo por isso aquela ocasião fugido à regra, contou que, a poucos dias da sua partida para Luanda, recebeu uma chamada a meio da noite do empresário organizador do espectáculo, a cancelar o evento.
“Disse o empresário, que estava a tequetar (a taquetar é a tremer): ‘kota, o espectáculo não vai poder ser. Eh, pá, estão aqui polícias na minha casa!’”, lembrou o músico, sem, no entanto, revelar a identidade do empresário que o havia contratado para o referido show.
“E então eu fiquei… as coisas continuam a ser ridículas. Lotação esgotada, para se fazer um espectáculo, mas vêm os polícias à casa do empresário! Ameaçaram ele, ameaçaram a mulher, ameaçaram os filhos, e o homem telefonou-me à noite assim todo coiso… mas falando muito tacticamente para não se comprometer”, detalhou o artista.
Pelo andar da conversa com o empresário, Bonga contou que ainda lhe chegou a prometer que daria algumas entrevistas em órgãos de comunicação social de Lisboa sobre o assunto, mas que também seria um lado com o qual não se poderia contar muito, “por causa das alianças mafiosas que existem, de kaxexe…”.
“Mas, eu senti que, oh, pá…! Vamos continuar a ser quem somos, principalmente quando, de uma maneira ou de outra, a gente zela por aquele grande público que sofre quotidianamente desde que o MPLA tomou posse”, disse, resignado.
Para o artista, a situação da reconciliação em Angola continua a ser “muito triste”, pelo que vai continuar a ser, na sua opinião. Porém, o cantor alimenta a firme convicção de que os artistas angolanos, nas suas diversas áreas de actuação, vão continuar a fazer ouvir a sua voz.
“E nós continuamos a dizer… uns a cantar, outros a pintar, outros a escrever, enfim. Mas o que é certo é que nos estamos a afastar, mas afastar perigosamente, daquilo que foi uma vivência que nós tivemos, de resistência, das nossas coisas mais representativas”, voltou a lamentar o autor de ‘Olhos Molhados’, um dos seus mais importantes temas musicais.